sábado, 21 de janeiro de 2012
O copo de água. T.B
Eu mastigava com culpa cinco daquelas bolinhas de amendoim. Não era culpa, era ansiedade. Não, era tédio. Minhas amigas conversavam longamente sobre algo que não me interessava. Algumas falavam das chatices do marido, outras das chatices do trabalho. Minha vida não é chata.
As festas da Carol sempre tinham comidas incríveis, mas naquele dia, eram só bebidas. Então passei a beber um pouco. Uma taça de vinho? Mas naquele dia eu não podia beber, porque não tinha comido e também porque não estava afim. Eu estava afim de ir embora. Voltar pra minha vida que não era chata. Olhei pra porta. Ela abriu e você chegou. Eu não te via há 3 meses e alguns dias. Foi então que o narrador do meu cérebro pigarreou e mudou o tom. Eu me narro tudo desde que me tenho por cérebro. É insuportável, mas o tempo todo minha cabeça narra tudo. Minuciosamente, detalhadamente, dolorosamente.
Então o narrador começou dizendo assim: ''e então ele entrou por aquela porta''. Você entrou por aquela porta. Eu apertei o braço da Jéssica: ''é ele! Ai meu Deus, é ele!''. Quem? Qual dos ''eles''? Você tem tantos ''eles''. O último. Você era o último homem que eu tinha amado e, portanto, o ''ele'' da vez. Com seu cabelo alto, largo, rococó. Eu amo o seu cabelo. Amo os cachos mais brancos que parecem ornamentos rococós para suas orelhas. Os puxa-sacos te abraçam. Eu percebo quem gosta de você e quem só te abraça porque um dia pode precisar de emprego. Alguns te abraçam, gostando de você e então eu fico feliz, porque eu gosto que gostem de você. Porque você é o tio da Lia, a bebezinha que pensa muito antes de rir pra qualquer bobagem. Você é o cara que, quando foi embora, me deixou sentindo uma dor bem enorme, mas eu gosto de você, você não fez por mal. Então, eu gosto que gostem de você. E o narrador me narra seu tênis sempre tão publicitário.
E narra sua roupa de chefe descolado. E narra o segundo em que você me percebe na festa e cochicha no ouvido do seu amigo alto. E narra todas as infinitas vezes em que você passou por trás de mim, esperando que eu me virasse e concordasse com seu ''oi'' cordial. Então, cansada de te narrar, chamei firme seu nome com um sorriso maduro. Mordendo a língua que tremia batendo no céu da boca. Minha língua quando te vê, quer logo te dizer coisas lindas e assustadoras. Então, é uma luta prendê-la no céu, deixando na terra apenas meu cordial ''oi''.
Então fomos pegar água. Brindamos com água. Você com sua mania de conversar quase dentro da minha cara. Seu charme míope e inseguro. O menino inseguro que conversa colado na minha retina. Que insegurança é essa? Eu não te pergunto nada, apenas desejo tanto você que sorrio como se não me importasse com a sua existência, mas você resolve se explicar mesmo assim. ''Porque seu olhos estão sempre me perguntando algo'', você diz. E você começa sua loucura que me faz gostar ainda mais de você. Empurra a palma contra o peito e diz ''eu gosto assim, fechado protegido, eu gosto''. Então, você olha pro meu copo d'água e diz: ''eu sou só um copo d'água, mas você ficava me olhando e pensando nas bolhas e nos gelos e nos canudinhos e na transparência e se a água era isso ou era aquilo. Água é só água, por que você complica a água, Sula?''. Você pegou na minha mão e continuou dizendo que uma mão, muitas vezes é apenas uma mão. Mas que eu insistia em enxergar os buracos entre os dedos, a dor da separação dos dedos, a gota da bebida gelada entre os dedos. E que você não poderia suportar isso. A maneira como eu te olhava. Vendo mais, inventando mais, complicando mais. E eu quis te dizer que tudo bem, eu seria uma menina simples. Eu mataria meu narrador, minhas possibilidades, meus mundos, minhas invenções. Só de ver seus cachos mais grisalhos e rococós, eu desejei não ser mais eu pra ser qualquer coisa que pudesse ser sua. Mas enchi meu peito surrado de coragem e te disse que, infelizmente, onde você era apenas um copo d'água eu era a tempestade.
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