" Aquele um vai entrar um dia, talvez por essa mesma porta, sem avisar. Diferente dessa gente toda vestida de preto, com cabelo arrepiadinho. Se quiser eu piro, e imagino ele de capa de gabardine, chapéu molhado, barba de dois dias, cigarro no canto da boca, bem "noir". Mas isso é filme, ele não. Ele é de um jeito que ainda não sei, porque nem vi. Vai olhar direto pra mim. Ele vai sentar na minha mesa, me olhar no olho, pegar na minha mão, encostar seu joelho quente na minha coxa fria e dizer: vem comigo. É por ele que eu venho aqui, boy, quase toda noite.Não por você, por outros como você. Pra ele, me guardo. Ria de mim, mas estou aqui parada, bêbada, pateta e ridícula, só porque no meio desse lixo todo procuro O Verdadeiro Amor. Cuidado comigo: um dia encontro.
Só por ele, por esse que ainda não veio, te deixo essa grana agora, precisa troco não, pego a minha bolsa e dou o fora já.Está quase amanhecendo, boy. As damas da noite recolhem seu perfume com a luz do dia. Na sombra, sozinhas, envenenam a si próprias com loucas fantasias. Divida essa sua juventude estúpida coma gatinha ali do lado, meu bem. Eu vou embora sozinha. Eu tenho um sonho, eu tenho um destino, e se bater o carro e arrebentar a cara toda saindo daqui, continua tudo certo. Fora da roda, montada na minha loucura. Parada pateta, ridícula, porra-louca, solitária, venenosa. Pós-tudo, sabe como? Darkérrima, modernésima, puro simulacro. Dá minha jaqueta, boy, que faz um puta frio lá fora e quando chega essa hora da noite eu me desencanto. Viro outra vez aquilo que sou todo dia, fechada, sozinha, perdida no meu quarto, longe da roda e de tudo:uma criança assustada."
Me identifiquei tanto com esse trecho do livro de contos "os dragões não conhecem o paraíso", estou tão nesse momento!
Sou criança e vou crescer assim. Gosto de abraçar apertado, sentir alegria inteira, inventar mundos, inventar amores. Acho graça onde não há sentido, acho lindo o que não é. O simples me faz rir, o complicado me aborrece. O mundo pra mim é grande, não entendo como moro em um planeta que gira sem parar, nem como funciona o fax. Verdade seja dita: entender, eu entendo. Mas não faz diferença, o mundo continua rodando, existe a tal da gravidade, papéis entram e saem de máquinas, existem coisas que não precisam ser explicadas(pelo menos pra mim).
O que importa é o que fazem meus olhos brilharem, o coração bater forte, o sorriso saltar do rosto. Eu acho que as pessoas são sempre grandes e às vezes pequenas, igual brinquedo Playmobil. Enxergo o mundo sempre lindo e às vezes cinza, mas para isso existe o lápis-de-cor e o amor que a gente aprendeu em casa desde cedo, lembra? Tenho um coração maior do que eu, nunca sei minha altura, tenho o tamanho de um sonho. E o sonho escreve a minha vida, que ás vezes eu risco, rabisco, embolo e jogo debaixo da cama ( para descansar a alma e dormir sossegada).
Coragem eu tenho um monte, mas medos eu tenho poucos. Tenho medo de filme de terror, tenho medo das pessoas, tenho medo de mim. Minha bagunça mora aqui dentro, pensamentos entram e saem, nunca sei a onde fui parar, mas uma coisa eu digo: eu não paro. Perco o rumo, ralo o joelho, bato de frente com a cara na porta, mas sei onde quero chegar, mesmo sem saber como. E vou. Sempre me pergunto quanto falta, se está perto, com que letra começa, se vai ter fim, se vai dar certo. Sempre pergunto se você está feliz, se eu estou linda, se eu vou ganhar estrelinha, se eu posso levar pra casa, se eu posso te levar pra mim, se o café ficou forte demais. Eu sou assim, nada de meias palavras. Já mudei, já aprendi, já fiquei de castigo, já levei ocorrência, já preguei chiclete debaixo da carteira da sala de aula, mas palavra é igual oração: tem que ser inteira, se não perde a força.
Sou menina levada, princesa de rua, sou criança crescida com contas pra pagar. E mesmo pequena, não deixo de crescer. Trabalho igual gente grande, fico séria, traço metas. Mas quando chega a hora do recreio, aí vou eu...Beijo escondido, faço bico, faço manha, tomo sorvete no pote, choro quando dói, choro quando não dói. E eu amo. Amo igual criança. Amo com os olhos vidrados, amo com todas as letras.A-M-O. Amo e invento. Sem restrições, sem medo, sem frases cortadas, sem censura, sem pudor. Quer me entender? Não precisa. Quer me amar? Me dê um chocolate, um bilhete, um brinde que você ganhou e não gostou, uma mentira bonita pra me fazer sonhar. Não importa. Criança não liga pra preço, pra laço de fita e cartão de relevo. Criança gosta de beijo, abraço e surpresa.
Me nego a viver em um mundo ordinário como uma mulher ordinária a estabelecer relações ordinárias. Necessito o êxtase. Não me adaptarei ao mundo. Me adapto a mim mesma.
As pessoas nunca são o que esperamos que elas sejam. Isso porque esperamos sempre que elas sejam alguma coisa, qualquer coisa que caiba no nosso sonho, mas isso não é possível,eis o motivo de tantas decepções.
Sonhos são feitos de fantasias, coisas fantasiosas obviamente não pertencem à realidade, mas é que de vez em quando a realidade é tão difícil de ser encarada, é tão feia. É aí que entra fantasia, funcionando como uma válvula de escape para coisas mais belas, mais interessantes, pessoas perfeitas, nosso mundinho idealizado.
Mas EU preciso de realidade, de uma injeção dela bem na minha veia, pra poder parar de me recolher pros meus sonhos, pras minhas fantasias, ficar criando essas pessoas perfeitas que não existem, preciso aprender a ver tudo como realmente é,com todo sei grau de maldade e um tanto de bondade também, como já dizia Cássia Eller:"bobeira é não viver a realidade".
Quando começo a pensar assim, vem o mundo das fantasias me puxar de novo pra dentro dele,mas é uma pena que esse mundo não me baste e que eu não possa me deixar levar por ele.